Mordendo a Maçã AI: Magritte e a AI

Símbolos (Parte 2)
por Matteo Moriconi em colaboração com Noah Charney

 O Filho do Homem (1964) – Rene Magritte

E quando Magritte utilizava símbolos? Também não era de forma óbvia.

A maçã no quadro O Filho do Homem (1964) é um símbolo controverso. Combinado com o título da obra – uma frase usada para descrever Cristo -, a maçã se torna um símbolo do Pecado Original. Teologicamente, quando Adão pegou o fruto proibido no Jardim do Éden (tradicionalmente representado por uma maçã), o Pecado Original foi cometido, e Adão e Eva foram expulsos do paraíso. O pecado continuou a existir até a morte de Cristo, que reverteu o Pecado Original. A raison d’être de Cristo era morrer e, assim, reverter o Pecado Original. Logo, um homem anônimo com uma maçã cobrindo seu rosto, quando combinado com o título O Filho do Homem, traz à mente esse conceito.

A maçã cobre o rosto da figura em pé, tornando-a um “qualquer um” anônimo. Vê-se um homem de negócios não identificado usando um chapéu-coco, um terno, e com uma maçã verde flutuando na frente de seu rosto. A interpretação dessa obra que obteria uma boa nota em um trabalho argumentaria que a pintura significa que todos nós carregamos a marca do Pecado Original e deveríamos ser gratos pelo sacrifício de Cristo. Magritte não apreciaria essa resposta, por mais “correta” que um professor de arte possa considerá-la. Para Magritte, se alguém é capaz de explicar sua pintura, ele fracassou – suas pinturas deveriam suscitar perguntas, confusão, surpresa, sem que o espectador jamais sinta que “entendeu” e que pode passar confortavelmente para outros assuntos.

View of The Lovers, an oil on canvas painting by french surrealist painter René Magritte, 1928. The painting is housed in The Museum of Modern Art, MoMA, New York, USA.

Jean-Paul Sartre era o filósofo que Magritte mais admirava. Sartre debateu a natureza antagônica do contato visual entre indivíduos. Recusar-se a olhar alguém nos olhos é equivalente a recusar-se a reconhecer sua humanidade, sua alma ou sua existência.

Se não podemos ver a face de alguém, não sentimos que “compreendemos” essa pessoa. Se um rosto não está olhando para você, então não é um rosto. Se não podemos ver o rosto de alguém, então não se trata de uma pessoa. Com base no rosto que deliberadamente escolhemos apresentar, queremos que pensem que somos quem dizemos que somos. Magritte viveu um evento traumático quando criança, ao testemunhar sua mãe – que tinha problemas mentais – se afogando, e ver seu rosto sem vida coberto por uma camisola branca e encharcada. Não precisamos de Freud para interpretar esse acontecimento como uma possível explicação para seu quadro Os Amantes. Magritte, entretanto, discordaria veementemente.

The Talking Parrot: Brazilian National Symbol and Avatar of Human Identity for John Locke

Por que Magritte refuta qualquer leitura definitiva de sua própria criação? Uma antipatia por historiadores da arte e pela propensão a buscar informações sobre a biografia de um artista? Magritte não quer que você ache que desvendou o quebra-cabeça, e, portanto, essa é a solução. Concentre-se no processo de busca da resposta, mas resista ao impulso de dar o mistério como resolvido. O filósofo John Lock propôs que é da natureza humana procurar compreender o mundo à nossa volta. A sensação de que não entendemos algo é desconfortável. Mesmo que nossa “compreensão” seja falha, ela ainda permite que armazenemos conhecimento, em vez de mantê-la em aberto e sem solução, o que nos assusta.

Segundo Locke, os seres humanos adquirem conhecimento por meio de uma variedade de concepções, representações e ideias. Podemos ser capazes de identificar um papagaio porque temos uma imagem do que acreditamos ser um papagaio armazenada em nossas mentes. Referimo-nos a uma criatura como um papagaio quando a vemos e ela se assemelha suficientemente à imagem mental que temos de um papagaio ideal. No entanto, se virmos algo que não somos capazes de identificar, como um pássaro com tentáculos e um chifre saindo da cabeça, ficaremos preocupados. Algo que é desconhecido. Nossa resposta provável seria categorizar essa nova e não identificada aparição usando categorias estabelecidas. Na medida em que tem penas e asas, é similar às aves.

Há duas camadas em jogo aqui. A primeira é como nós, humanos, “compreendemos” as coisas – comparando-as com o que não são, nos “computadores” que são nossas mentes. A segunda é como o aprendizado de máquina e a inteligência artificial imitam a mente humana e tentam tornar-se sua versão virtual, para fazer o que pedimos.

Por exemplo, consideremos a mais famosa e onipresente ferramenta de softwares de AI para geração de textos, o ChatGPT.