A Arte na Inteligência Artificial

Introdução
por Matteo Moriconi em colaboração com Luiz Velho, Noah Charney e Bernardo Alevato

Em 1954, Roald Dahl escreveu um conto chamado “O Grande Gramatizador Automático”, sobre uma máquina capaz de escrever um romance premiado tão bem quanto qualquer ser humano, e em apenas alguns minutos. Naquele mesmo ano, o escritor de ficção científica Groff Conklin descreveu a história como “uma sátira de fantasia  inspiradora… um trabalho inesquecível de absurdo sarcástico”. Hoje, quase 70 anos depois, temos uma máquina semelhante, e ela é o grande assunto do mundo tecnológico. A combinação de aprendizado de máquina e  Inteligência Artificial (AI) criou plataformas de software que funcionam como o Grande Gramatizador Automático, escrevendo textos legíveis e coerentes e criando imagens únicas baseadas em prompts. O que antes era uma “fantasia” e um “absurdo”, agora, tornou-se real.

Em setembro de 2022, o artista Jason Allen ganhou o primeiro prêmio na Feira de Arte do Colorado. Talvez não fosse um feito digno de nota, se o trabalho de Allen, intitulado Teatro da Ópera Espacial, não tivesse sido criado por inteligência artificial. Allen não criou a obra de arte de modo tradicional. Em vez disso, inseriu prompts textuais em uma ferramenta de AI chamada Midjourney, que, então, produziu a obra em questão, como uma imagem digital única. As ferramentas de arte AI “vasculham” a internet em busca de imagens que são, então, categorizadas. Quando um criador insere no software prompts textuais que descrevem o tipo de imagem que deseja, a AI os transforma em uma imagem nova e única, nunca antes vista, sem elementos diretamente copiados de imagens preexistentes, mas que inclui o estilo, a atmosfera e o conteúdo solicitados pelo prompt.

Jason Allen’s AI-generated art won a prize at the Colorado State Fair (Image credit: Jason Allen via Midjourney)

Allen não estava tentando ser esperto. Ele deixou claro que sua apresentação havia sido criada por AI, e venceu na categoria de arte digital/fotografia manipulada digitalmente. As manchetes que circularam pelo mundo fizeram parecer que um trabalho feito por AI havia derrotado artistas tradicionais em formas de arte tradicionais, mas isso é mais uma história caça-cliques, como quando o software de xadrez Deep Blue derrotou o jogador número um do mundo, Garry Kasparov. Entretanto, isso é indicativo de uma grande mudança: a AI pode fazer arte bonita e interessante, cujo crédito pertence ao criador, que não precisa ter qualquer inclinação artística – ele apenas digita prompts em um computador..

Há quem tema que isso signifique o “fim da arte”, mas esse sino foi tocado inúmeras vezes ao longo dos séculos. A imprensa também deveria ter representado o fim da arte e da literatura. A câmera fotográfica marcou o “fim da arte”. Aqueles com compreensão suficiente não estão preocupados com a possibilidade de a arte tradicional, de alguma forma, chegar a um fim, embora seja possível que haja substancialmente menos oportunidades de trabalho para ilustradores e designers gráficos. Mas essa revolução levanta uma variedade de questões interessantes que são, sobretudo, filosóficas.

Pode uma máquina criar algo, digamos, criativo, que seja de igual valor ao que um ser humano produz? É possível que a estética humana seja formalizada, categorizada e “lida” pelas máquinas a tal ponto que os desejos humanos se tornem previsíveis e facilmente (e totalmente) satisfeitos por uma máquina? Se assim for, os seres humanos ainda precisarão realmente de outros humanos? É necessário um elemento humano para criar arte que seja interessante e capaz de comover? Ou a arte generativa – arte criada por softwares baseada em algoritmos programados – pode ser tão “boa” quanto a arte “tradicional”? Por sua vez, isso levanta a questão sobre o que os seres humanos podem aprender com a arte gerada por softwares, tanto sobre arte quanto sobre nós mesmos.