Mordendo a Maçã AI: Magritte e a AI

Parte Três: Texto e Imagem
por Matteo Moriconi em colaboração com Noah Charney

A combinação de arte generativa, utilizando o Midjourney e o ChatGPT, dado o prompt “A beleza de ‘Isto não é uma maçã’”, atribuído a Walt Disney, produziu um trabalho típico de Magritte, em seu surrealismo. O software reconheceu que a frase que começa com “Ceci n’est pas une”, no contexto da arte, deveria ter o estilo de Magritte. Uma máquina ser capaz de entender o que o usuário procura é uma compreensão profundamente semântica.

O mangá e o surrealismo compartilham similaridades em suas abordagens em relação à arte e à narrativa. Ambos são conhecidos por suas imagens imaginativas e ousadas, que frequentemente extrapolam os limites entre realidade e fantasia. Uma das principais similaridades é o uso do simbolismo – o que se relaciona com a semiótica mencionada anteriormente. Tanto o mangá quanto a arte surrealista utilizam fortemente símbolos e motivos para transmitir mensagens e significados mais profundos. Esses símbolos frequentemente possuem múltiplas camadas de interpretação e são usados para explorar temas complexos, como identidade, sexualidade e questões sociais. Tanto o mangá quanto o surrealismo também desafiam as convenções tradicionais de narrativa e representação. O mangá geralmente utiliza estruturas narrativas não lineares e não convencionais, enquanto o surrealismo é conhecido pelo uso de imagens oníricas e pela exploração do subconsciente. Outro paralelo entre o mangá e o surrealismo é a capacidade de criar uma sensação de desorientação e desconforto no espectador. Ambos fazem uso de imagens bizarras e perturbadoras para criar essa sensação e desafiar a compreensão do espectador.

Na era da inteligência artificial, o surrealismo pode ser redefinido como o estudo e a representação do estranho e do inesperado, utilizando tecnologia e AI. Isso pode envolver o uso de inteligência artificial para produzir arte ou escrita surrealista, ou para estudar e desenvolver técnicas e tópicos do surrealismo. Além disso, a ideia de “vale da estranheza”- quando uma entidade digital ou robótica parece quase humana, mas não totalmente – pode ser vista como um tipo de surrealismo na era da inteligência artificial.

O surrealismo se encaixa perfeitamente no “vale da estranheza” O vale da estranheza é um conceito de robótica e computação gráfica que descreve um fenômeno no qual, à medida que robôs e avatares (ou softwares de AI) tornam-se mais semelhantes aos humanos em aparência e comportamento, chega-se a um ponto em que se tornam, por falta de termo mais elegante, perturbadores.

O termo foi cunhado por Mashiro Mori, em 1970, um cientista que trabalhava com robôs, e refere-se à queda que pode ser vista em um gráfico que mostra a resposta emocional dos humanos a entidades artificiais, à medida que se tornam mais semelhantes aos humanos. Teoricamente, os robôs poderiam se tornar tão parecidos com humanos que seriam irreconhecíveis em tanto que robôs. Já estamos nesse estágio quando se trata de algumas respostas de softwares, quando não sabemos exatamente se estamos conversando com uma pessoa ou com um chatbot. Mas existe um limite no qual o robô ou o software de AI ainda pode ser reconhecido como não humano, mas humano o suficiente para ser inquietante.

A AI já atingiu esse ponto?

Para responder a essa questão, pedi ao ChatGPT que escrevesse uma carta do artista gráfico surrealista M. C. Escher para Rene Magritte sobre o tema de uma obra de arte baseada no Desenhando Mãos de Escher e em uma maçã de Magritte.

Caro Rene,

Retratei duas mãos desenhando uma maçã, sendo a maçã a representação de uma famosa pintura sua, O Filho do Homem. Fui inspirado pelas imagens surreais e pelo jogo de percepção em sua pintura, e pela ideia de mãos desenhando a si mesmas e ao objeto que estão desenhando. O tema da autorreferência e da criação é algo que, acredito, ressoa fortemente em ambos os nossos trabalhos.

Sinceramente,
M.C. Escher.

Detail: Drawing Hands by M. C. Escher, 1948, Lithograph.

A arte generativa do futuro combinará autorreferência e criatividade, dois fatores que, de fato, ressoam no trabalho de Escher e Magritte. O corpo de trabalho de Magritte é rico em significado e ideias que são transmitidas por meio do uso da semiótica, da desfamiliarização, da ocultação e do estranhamento. Suas pinturas desafiam nossa percepção da realidade e nos encorajam a questionar a natureza da representação, da linguagem e da identidade. O mesmo poderia ser dito sobre os softwares de AI – na medida em que criam arte e textos que habitam o vale da estranheza, movendo-se em meio ao que já não se pode reconhecer como artificial -, surreais em sua habilidade de nos surpreender e nos encantar diante da capacidade das máquinas de produzir tais maravilhas.